15 de junho de 2020
Trabalhar de maneira remota tem sido o desafio de muitos profissionais nos últimos meses. Digo desafio porque mesmo com seus benefícios, o trabalho remoto demanda, na prática, uma série de adaptações, desde os contextos em casa, divisão de rotinas, organização de sistemas digitais até o encontro com as resistências e solidão que aparecem.
Foi em 2015, quando mudei pra Califórnia que adaptei o meu modelo de negócio para o digital. Desde 2013 eu atuo na área de organização e desenvolvimento pessoal, com foco em gestão do tempo, tecnologia e atenção. E entre experiências com esse modelo de trabalho, em viagens, fuso horário diferente, equipe trabalhando de maneira assíncrona, fui me organizando para adaptar o meu fluxo de realização ao estilo de vida flexível que o trabalho remoto proporciona.
Nesse artigo compartilho algumas considerações e ideias para gestão do tempo e atenção como recursos para construção de um cenário de não esgotamento.
O esgotamento pode chegar à apresentação da Síndrome de Burnout, que é um estado de esgotamento físico e mental intenso, cujas causas são relacionadas ao estilo de trabalho.
Profissionais das áreas de educação, saúde, segurança pública e serviços são mais atingidos por essa síndrome. Estamos há 3 meses (escrevo em Junho de 2020) lidando com a pandemia do COVID-19 praticando o isolamento e distanciamento social. Tenho conversado com muitas famílias e mulheres nesse estado de esgotamento e imagino então como os profissionais dessas e de outras áreas estão sentindo forte agora esse esgotamento e seus efeitos, com relações mais desgastadas, conflitos frequentes e ainda constante cansaço mental e físico.
Antes de tudo, gostaria de deixar aqui registrada a minha solidariedade, empatia e agradecimento a esses profissionais.
Primeiro, vamos aos termos que fazem parte do estilo de trabalho flexível:
A decisão de trabalhar remotamente veio de maneira abrupta para muitas pessoas esse ano e isso traz consigo as dificuldades de implementação de estratégias a longo prazo. Porém, mesmo as pessoas mais céticas e resistentes a trabalhar à distância, com o passar do tempo e adaptações, começam a notar os benefícios.
Para mim, o caminho do trabalho remoto enquanto empreendedora foi um caminho de liberdade. Foi uma construção para liberdade geográfica, liberdade de tempo e liberdade de escolha. E percebo, com experiência e estudos sobre o assunto que os maiores benefícios do trabalho remoto envolvem:
Todos esses benefícios são vistos com a estruturação das organizações. Para uso de tecnologia, redução de custos e aumento de produtividade, não basta mandar todo mundo ir pra casa e enviar um kit com cadeira ergonômica. É preciso estratégia. De gestão do tempo, energia e atenção. As empresas que conseguem chegar nesse nível de estratégia, enxergam esses benefícios.
Não é de uma hora pra outra que isso acontece. Trabalho remoto não é para amadores, e infelizmente, ainda falta muito, para que a realidade remota (e digital) chegue para todos.
No mundo do trabalho remoto podemos notar dois tipos de instituições:
As empresas que são amigáveis ao trabalho remoto, ou seja, que permitem que o trabalho remoto seja realizado de maneira flexível, possuem ainda estrutura física, e vários processos estão conectados ao escritório. Isso envolve comunicação mais direta (síncrona), no mesmo tempo e espaço, com reuniões e conferências, de acordo com a agenda da galera do escritório.
Já as empresas que priorizam o trabalho remoto, como a Doist, por exemplo, da qual sou grande admiradora, são empresas que levantam a bandeira do trabalho remoto 100%, e não possuem espaços físicos. Os processos são coordenados online, a informação é aberta e distribuída a todo time. Aqui se faz presente a comunicação com espaços e tempos diferentes, assíncrona. Saiba mais sobre comunicação clara e efetiva acessando o artigo abaixo:
Acredito que a pandemia fará com que mais indivíduos e empresas adotem o trabalho remoto como prioridade. Por necessidade inicialmente e depois por adaptação natural a um novo sistema, que não arrisco dizer em realidade qual será (sabemos que o tempo nos mostrará).
A reorganização do nosso mundo está apenas começando.
Sinto que a tecnologia continua sendo o cerne da mudança. Mas dessa vez de uma maneira mais aquariana, coletiva e distribuída. Materializando a igualdade e o acesso, ideais pregados no Vale do Silício, mas distantes da realidade.
O primeiro ponto que destaco como desafio é que as empresas de tecnologia possuem grande responsabilidade nesse momento em delinear próximos passos de atuação e inclusão digital. E nós como usuários de tecnologia precisamos compreender a economia da atenção e como as empresas trabalham para conseguir nosso tempo e atenção, recursos preciosos parar continuarmos a dar nossa contribuição maior ao mundo.
“A gente precisa de um mundo onde milhares de engenheiros do Facebook não estejam trabalhando para tirar sua atenção e sim trabalhando para reabastecer você e ajudar a tornar a vida e a sociedade melhor”, diz Tristan Harris, presidente e co fundador do Center for Humane Technology.
A tecnologia leva a pessoas a novos caminhos. E segundo Tristan Harris as empresas direcionam as pessoas para lugares que nem sempre são benéficos. Esses benefícios merecem ser considerados para as pessoas e para a sociedade e não apenas para o benefício da empresa com a captura de atenção e dados.
O segundo ponto de desafio é a restrição de acesso. Sabemos que o trabalho remoto e o acesso a tecnologia é restrito a poucas pessoas, que possuem conexão com a internet, educação digital, suporte de equipamentos e certificação profissional, seja em formação acadêmica ou outras experiências de campo.
Suspeito que enquanto as empresas atuarem no campo da economia da atenção e não da inclusão, as possibilidades do online continuarão a ser restritas.
Aproveito para citar aqui o artigo de Krystel Leal, fundadora do Nomadismo Digital Portugal, com uma excelente reflexão sobre exclusão digital e racismo, que complementa essas considerações.
Por enquanto, essas são as apostas das gigantes no Vale do Silício:
A adoção do trabalho remoto permite uma maior conexão com o tempo, permite flexibilidade para escuta de ritmos internos e externos e direcionamento para processos eficientes. Toda essa liberdade pode ser assustadora para quem está entrando no mundo do trabalho remoto.
Empregadores por aí a fora estão se deparando com muitas formas novas de se comunicar com a sua equipe e com seu público, estão encarando as falhas e forças no sistema e aprendendo a cada dia com a resposta ao fluxo. Para os funcionários que estão em casa, sem rede de ajuda, é fácil perceber o estigma da flexibilidade, com a pressão de estar presente o tempo todo para demonstrar que estão realizando algo.
O estigma da flexibidade é visto em empresas que possuem políticas de trabalho mais flexíveis, com horários diversos, cargas horárias reduzidas. Mesmo com horários flexíveis, as pessoas encaram a desvantagem de não estar sempre no escritório. Por que? Segundo o autor Alex Soojung:
“Porque existe ainda uma cultura que idolatra o estender das horas, que é sinal de comprometimento e paixão pelo que faz. E quando é necessário formar um time ou escolher quem estará a frente de algum projeto, as pessoas olharão para quem está por perto ou ficando tarde no trabalho, não aquelas pessoas que saem cedo ou não estão no escritório boa parte do tempo. Então sabe o que acontece com quem não está no escritório? A pessoa acha que tem que trabalhar muito mais pra se mostrar e fazer presente, para os seus colegas, chefes e clientes. É um super trabalho de coordenação. E isso é um desafio presente na vida de quem tem cargos e trabalhos mais flexíveis. É um desafio que muitos estão vivendo agora na quarentena, aliás.”
Os desafios e dificuldades do trabalho remoto variam de acordo com a realidade de cada um, seus contextos, distrações, suporte e rede de ajuda. Mas em comum a qualquer realidade, podemos destacar o medo de ficar por fora ou o simples sentimento de não estar no mesmo lugar e parecer invisível ou subprodutivo ao olhar de seus colegas ou gerentes.
Vale também apontar que o trabalho remoto está atualmente mostrando:
No mundo do WhatsApp e Slack adiciona-se uma camada de imediatismo está deixando as pessoas irritadas, cansadas e sobrecarregadas!
Normalmente já é um desafio lidar com essas questões quando a escolha pelo trabalho remota é feita. Mas diante de uma situação imposta e por necessidade, a complexidade é sem dúvida muito maior, o que abre portas para mais situações estressantes e estafa mental e física.
Agora que as reflexões foram para balança, vamos considerar algumas ideias que envolvem pessoas, organização e comunicação.
Trabalho remoto exige uma camada extra de pensamento e planejamento para comunicação e organização, simplesmente porque as pessoas deixam de estar no mesmo tempo e espaço.
Essa camada extra pede responsabilidade para formação de rotinas, engajamento com colegas de trabalho, confiança entre a equipe e clareza dos limites de cada um. Esses elementos formam parte importante da cultura do trabalho. Empresas que decidem trabalhar remotamente, percebem que o tempo dedicado para formação de processos é recompensado com boas entregas e feedbacks e bem estar do time.
Antes do Covid-19 eu já atendia empresas que estavam mudando seu sistema para uma realidade mais flexível. A relação das pessoas e das empresas com o trabalho vem mudando nos últimos anos. E agora, muitos empregadores começam a perceber que, para prosperar na organização é preciso:
Enxergue cada um desses passos como uma meta dentro de uma organização. Cada uma dessas metas irá gerar projetos, reuniões, decisões a serem tomadas e testadas. Trabalho remoto pede mudança de hábitos e de mindset. Não dá pra querer resultados diferentes fazendo as mesmas coisas.
Confiar nas pessoas e criar autonomia é muito mais saudável pra cultura empresa do que ficar pedindo print de tela pra saber pra onde foi o tempo de cada um. Confiança passa a ser um valor em muitos ambientes de trabalho remoto, levando a uma desvalorização da sobrecarga e também respeito aos processos, tempo e espaço de cada um.
Medir produtividade por horas trabalhadas, tempo de tela respondendo mensagem ou volume de reuniões são péssimas medidas de produtividade. O foco deve ser sempre na qualidade das entregas, seja artigos escritos, acordos fechados, códigos concluídos e clientes satisfeitos.
Quanto as prioridades e os limites não ficam claros, a produtividade não se mantém sustentável e humanizada.
A pirâmide de Maslow é uma hierarquia de necessidades que gosto de usar para falar de necessidades pessoais e profissionais.
Cada parte aponta uma necessidade do ser humano para atingir a auto realização. Essa é a estrutura da pirâmide e para chegar no nível de realização pessoal (o topo) é fundamental a coerência e atenção nas etapas abaixo.
Antes da pandemia, muitas pessoas estavam investindo em pontos mais acima da pirâmide. Porém, durante a pandemia, muitos estão voltando para base! Por que? Porque segurança e fisiologia é prioridade e se esses pontos não estiverem bem, tudo fica mexido. A nível individual e coletivo.
Podemos aplicar o mesmo conceito das necessidades da pirâmide no mundo profissional.
Se você está trabalhando de maneira remota, pense na sua vida, no seu negócio ou na empresa que você atua. As necessidades estão sendo atendidas? O que está bom? O que pode melhorar?
“A estrutura sobre a qual construímos nossas expectativas de trabalho vem nos prejudicando há muito tempo. Quando você combina nossa cultura de excesso de trabalho crônico com a distração inerente à tecnologia e à mídia social, no momento em que as pessoas são forçadas a ficar em casa, você tem uma receita para ansiedade e vergonha ampliadas. Isso coloca as pessoas em um caminho rápido para o esgotamento.” – Rahaf Harfoush, antropóloga digital e autora.
Não existe #produtividade sem descanso. Fazer pausas, ter limites de horário para o trabalho e ter tempo para você não é só ter mais qualidade de vida, é ter vida. Se você não descansa, você não funciona. Pausas precisam ser respeitadas. O horário do trabalho acabou? Descanse. Quando a bateria do seu celular acaba, você não precisa do carregador? Também é preciso tempo para recarregar a sua bateria!
Pense em incluir pequenos momentos de descanso na sua jornada de trabalho. Pausas de 10 minutos a cada hora podem ajudar a evitar o tédio, a reter mais informações e a avaliar melhor o conteúdo do trabalho.
Trabalhar em excesso provoca um cansaço que dificulta a concentração. Isso porque, entre outros motivos, se você está constantemente exausto, fica mais propício à distração e, provavelmente, terá mais dificuldade em se concentrar.
Todos nós temos 24 horas por dia e um estoque de energia para essas horas. Não conseguimos rodar à 100 Km com tanque vazio e danificado. Temos limites, limites reais. Em nossa sociedade que valoriza o volume e a produtividade a qualquer custo, os limites não são o problema. A sobrecarga é o problema.
Não é ruim correr atrás dos seus sonhos, ter ambição na vida, querer uma casa no campo, voar mais alto. O problema é quando os limites são excedidos. Lidar com cargas de atividades diárias faz parte da nossa vida. Atividades nos dão prazer a alimentam nosso espírito. A minha opinião talvez não seja tão novidade. Mas eu gosto de pensar que margens, limites e organização evitam ataques do coração, depressão, sobrecarga de trabalho e burnout.
Precisamos dormir, comer, nos exercitar e descansar. Mesmo que sejamos completamente diferentes nesse mundão, essa similaridade fala alto. Todos temos limites e todos precisamos da mesma base, pois temos as mesmas necessidades enquanto humanos.
É verdade, existem aquelas pessoas que antes das 9 da manhã já fizeram mais do que outras fazem na semana toda. Existem pessoas que tem capacidade de focar longas horas, mantendo energia e motivação, enquanto outras são extremamente sensíveis a qualquer espécie de estímulo sensorial.
Quando começamos a achar que não temos limites, nos colocamos em um terreno inseguro que pode ter muitas consequências doloridas. Viver sem margem significa viver em esgotamento, exaustão, sem nenhuma perspectiva de descanso à vista. Ou seja, sem cuidar de si mesmo.
Já viver com margem e limites, com responsabilidade pelas suas demandas diárias, significa que quando há esgotamento, há também um lugar para descansar e recarregar a bateria. Uma vida com margens valoriza a saúde, a alegria, o cuidado com as relações (inclusive com si mesmo), a disponibilidade, criatividade e contribuição. Disciplina nada mais é afinal, do que criar espaço para que sua essência possa fluir e exercer o seu melhor no presente, sem preocupações.
Autocuidado é ter tempo para descansar, espaço para respirar, liberdade para se movimentar, tempo para se adaptar e se curar. E sabe por que você também precisamos ter um olhar global diante disso? Porque o trabalho não tem fim, mas viemos pra esse mundo pra evoluir!
Organização é um processo e com a prática é possível ir mudando realidades. A minha sugestão é sempre pegar o bom papel e caneta e planejar os próximos passos, estudando, se preparando, se organizando para ação que te permita mais flexibilidade e tranquilidade no trabalho remoto.
A verdade é que nos últimos meses cada reunião do Zoom e interação online é um lembrete do que o mundo está passando. Termos como Zoom Burnout já começam a aparecer e continua sendo bem difícil dizer não a colegas e chefes no meio da quarentena.
Para evitar a exaustão trabalhando de casa, preserve:
Ignorar seu cansaço mental e físico é meio caminho andado para entrar no piloto automático do trabalho e viver em estafa. Permita-se descansar.
Essas são algumas considerações sobre trabalho remoto sem esgotamento. Caso você esteja passando por um momento como esse, respire fundo, tire o que estiver na cabeça e passe para o papel. Comece a liberar sua mente para os próximos passos.
Deixe-me saber como posso ajudar.
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